Passar para o conteúdo principal
Dairy cows
Rinotraqueíte infeciosa bovina
 

Presentação clínica 

A infeção ocorre normalmente (mas não exclusivamente) em vitelos com mais de 6 meses, mas a recrudescência e a imunidade natural de curta duração significam que a doença clínica pode ser frequentemente um problema permanente em vitelos mal controlados e infetados endemicamente.  

A transmissão ocorre através de gotículas respiratórias ou por contacto direto através de fluidos animais. Foi demonstrado que a assistência do vento permite a propagação a uma distância de pelo menos 4 m. 

Abordando primeiro a síndrome respiratória, o IBR implica normalmente uma elevada morbilidade (80-100%) mas uma baixa mortalidade (<2%). Os animais afetados apresentam uma pirexia frequentemente acima dos 40oC, aumento da frequência respiratória, depressão e letargia, anorexia e a característica descarga nasal serosa. Podem ser visíveis placas brancas na mucosa nasal e na língua e são audíveis ruídos respiratórios fortes na traqueia devido à necrose da mucosa.  

A inflamação e a necrose da mucosa nasal e traqueal originam frequentemente um envolvimento bacteriano secundário, inicialmente na via aérea superior, levando a uma descarga nasal que passa a mucopurulenta (normalmente após 72 horas ou mais) e pode passar a uma broncopneumonia bacteriana (normalmente no espaço de 7-10 dias desde o início dos sinais clínicos). 

Muitos (mas não todos) casos apresentar-se-ão com a forma conjuntival com descarga inicialmente serosa que progredirá para purulenta, de um ou de ambos os olhos. Também podem existir placas brancas (causadas pelas agregações dos linfócitos) na conjuntiva palpebral.  

A coinfeção com M. haemolytica nos pulmões e com Moraxella bovis na apresentação conjuntival podem ter efeitos sinérgicos nos animais, aumentando a patogenicidade da infeção. No caso de infeção pneumónica secundária com M. haemolytica, as taxas de mortalidade podem aumentar significativamente. 

Em animais adultos isto será acompanhado por uma descida do leite grave que pode (sobretudo em vitelas) resultar numa produção deficiente no restante período de lactação. Os abortos também são comuns, causados por pirexia e por infeção fetal direta. Os abortos podem ocorrer durante a fase aguda da infeção ou até 2 meses depois. 

A forma encefalítica é consideravelmente rara e, geralmente, aparece em vitelos. É frequentemente acompanhada por placas brancas focais na língua. Os animais podem apresentar um amplo leque de sinais neurológicos desde cegueira e decúbito a opistótono e convulsões. 

A vulvovaginite pustulosa ou a balanopostite infeciosa são apresentações venéreas da infeção por BoHV-1. Podem ser independentes das apresentações respiratórias ou concomitantes. A condição pode propagar-se de forma venérea e resultar em placas brancas ulcerosas e feridas na vulva e na mucosa vaginal, o que pode ser desconfortável para a vaca durante a palpação. Estas placas surgem frequentemente bastante cedo após a cópula com outro animal infetado, normalmente dentro de [Salto de ajuste de texto]2-3 dias. O aborto é observado, embora seja menos comum do que nas apresentações respiratórias. 

Fisiopatologia 

Na apresentação rinotraqueíte, o BoHV-1 entra nas células da mucosa e replica-se causando a morte generalizada das células e inflamação. Isto normalmente fica limitado à cavidade nasal, seios paranasais e traqueia, sendo que todos ficam gravemente edematosos e produzem quantidades enormes de material seroso, passando a seguir para descarga mucosa. A inflamação e o edema na traqueia podem ser tão graves que a parede vai inchar 2 cm causando uma estenose grave da traqueia e produzindo os característicos estertores na auscultação.  

Nestas fases iniciais da doença clínica, a resposta imunitária é predominantemente mediada pelas células com um nível significativo de neutrófilos e infiltração mononuclear nos tecidos afetados. Esta inflamação afeta tanto a mucosa como a submucosa, dando origem a ulceração intensa e necrose da mucosa da nasofaringe e traqueia juntamente com uma deposição de fibrina significativa. É esta perda do tecido epitelial fibrinoso e necrótico que dá origem à pneumonia bacteriana secundária vista frequentemente. Esta pneumonia bacteriana secundária também é mais despoletada pela infeção por IBR através de uma redução concorrente na população de células T, possivelmente penetrando nas células CD4+ T e iniciando a apoptose. 

É durante esta fase aguda da infeção com IBR que o BoHV1 entra nos neurónios ganglionares (normalmente trigeminal e neurónios sensoriais) e, enquanto a infeção aguda pode ser tratada, a transcrição associada à latência da expressão genética viral persiste nos gânglios, usualmente durante toda a vida da vaca. Tal pode ser reativado por eventos estressantes ou por imunossupressão; de facto, a recrudescência foi demonstrada com a administração de dexametasona 10 semanas após a infeção. Isto normalmente original a transmissão viral e, frequentemente, o reaparecimento da síndrome clínica. A resposta imunitária para estas crises subsequentes da doença é normalmente uma resposta dos anticorpos. 

Considera-se que a resposta dos anticorpos é uma seroconversão para a vida, no entanto, a eficácia da resposta dos anticorpos diminui e será notavelmente inferior após 6 meses, período de tempo após o qual o animal estará novamente suscetível à doença clínica da recrudescência do vírus latente nos gânglios do nervo trigémeo. 
 

IBR virus

Epidemiologia  

A IBR é predominante na maioria dos países em todo o mundo, com exceção de alguns países na Europa. As nações escandinavas (Suécia, Noruega, Dinamarca e Finlândia), Suíça, República Checa, Áustria e Alemanha, juntamente com algumas ilhas do Canal no RU estão oficialmente livres da IBR. A Bélgica, Itália, Espanha e Países Baixos têm esquemas de erradicação nacionais ou regionais.  

De forma a considerar que um país está livre da IBR, 99,8% dos animais desse país têm de ter explorações negativas para IBR. Como comparador, a prevalência atual de manadas que testam positivo para a IBR no RU situa-se entre 43-84%. 

Dados publicados atualmente sobre a prevalência no Brasil sugerem que, na região de Caparaó, 48,59% do gado é seropositivo, sendo que 100% das manadas testadas têm animais seropositivos, e no estado do Paraná 41,9% dos animais são seropositivos, sendo que 90,5% das manadas têm animais seropositivos. A experiência noutros países diz-nos que, sem uma intervenção estruturada e políticas de vacinação sólidas que usem imunizações de até 6 meses, é provável que esta prevalência aumente e causará certamente perdas de produção significativas. 

Diagnóstico 

O diagnóstico inicial de doença respiratória ou venérea pode ser feito com base nos sinais clínicos. 

No exame de necropsia, a mucosa traqueal estará vermelha e espessa e coberta por exsudato mucopurulento. O edema pode ser significativamente suficiente para reduzir de forma dramática o diâmetro do lúmen da traqueia, o que resulta no estertor traqueal ouvido na fase aguda da auscultação. As superfícies mucosas da nasofaringe também estarão gravemente congestionadas e cobertas por descarga mucopurulenta e também podem ter áreas de hemorragias petequiais. 

Na fase aguda da doença clínica, podem ser feitos testes de anticorpos fluorescentes (FAT) com esfregaços da nasofaringe, conjuntiva ou vagina (dependendo da apresentação), assim como podem ser feitos testes PCR em amostras de tecido incluindo pulmão, gânglios linfáticos, rim, baço ou timo, no entanto, este teste não foi aprovado para ser utilizado no RU. 

A serologia pareada também pode ser utilizada para testar surtos atuais, embora com um atraso num resultado de confirmação quando comparado com o teste FAT. 

As vacinas modernas têm o antigénio de glicoproteína E excluído, o que permite que um teste DIVA confirme o “tipo selvagem” vs. estado vacinado. É ainda possível obter vacinas sem marcador no RU em vacinas multivalentes para vitelos e, como tal, é necessário obter um histórico detalhado de vacinas da unidade para avaliar se tal pode interferir nos testes. Os anticorpos têm uma duração longa o suficiente para interferir com a monitorização do leite a granel e a respetiva utilização nas explorações deve agora ser seriamente questionada. 

Vacinas 

As primeiras vacinas contra a IBR foram desenvolvidas com o objetivo de prevenir sinais clínicos da doença (i.e. vacinas multivalentes tradicionais). Mais recentemente, as vacinas com marcador foram introduzidas usando o conceito DIVA (diferenciando animais infetados de animais vacinados). A utilização de vacinas com marcador juntamente com um teste de diagnóstico capaz de distinguir que animais foram vacinados ou naturalmente infetados é crucial para o controlo (ou até mesmo da erradicação) da IBR. As vacinas com marcador não têm uma glicoproteína (deleção de gE) embora consigam obter uma resposta imunitária contra os restantes antigénios (i.e. gB); um teste sorológico (ELISA de bloqueio gE) pode detetar que animais foram vacinados (gE negativo/gB positivo) ou infetados (gE positivo/gB positivo) (Vannier et al., 2007). 

Uma vacina com marcador mais moderna está disponível na Europa e nas Américas, esta contém não só uma deleção do gE, mas uma segunda deleção no gene da timidina quinase (tk), que está associado ao neurotropismo viral e latência. Esta deleção extra aumenta a segurança: diminui a probabilidade de produção de latência e reduz ainda mais a virulência da estirpe da vacina (Petrini et al., 2019). 

As vacinas com marcador permitem a implementação de estratégias que reduzam gradualmente a seroprevalência. A utilização de vacinas com marcador a cada seis meses (hiperimunização) demonstrou ser eficaz no controlo e erradicação da IBR em alguns países da Europa (i.e. Alemanha, Rep. Checa). Do mesmo modo, a hiperimunização foi utilizada com êxito para controlar e erradicar o Alfa-herpesvírus noutras espécies, tal como a doença de Aujeszky nos suínos. Atualmente, vários estudos demonstraram como a hiperimunização com vacinas inativadas com marcadores e, a um nível superior, vacinas vivas com marcadores reduziram a taxa de reprodução, comprovando a prevenção na circulação do vírus nas manadas vacinadas (Bosch et al., 1998; Mars et al., 2001). A redução da seroprevalência de IBR (gE) por hiperimunização com vacinas vivas atenuadas e inativadas também foi demonstrada num ensaio de campo longitudinal (Ampe et al., 2012). Esta vacinação de seis meses demonstrou a sua eficácia na redução da circulação do vírus quando toda a manada está vacinada. 
 

Conclusões 

A IBR continua a ser um fator significativo para o complexo de doença respiratória bovina e tem efeitos significativos na produção e fertilidade nas manadas de gado. A síndrome respiratória clássica com envolvimento da conjuntiva e do trato respiratório superior permanece imediatamente reconhecível e a natureza altamente infeciosa do vírus torna o controlo perante um surto difícil. A faceta de latência do herpesvírus típico tornou a sua erradicação extremamente difícil na maioria dos países, com apenas um grupo de países da Europa a fazerem progressos com programas de erradicação, no entanto o controlo é possível com fortes protocolos de vacinação de 6 meses e monitorização. 

 

Author: Oliver Maxwell BVSc BSc(Hons) MVM DipECBHM. Especialista em Saúde e Produção Bovina pelo Real Colegio de Cirurgiões Veterinários. Especialista Europeu em Gestão da Saúde Bovina 
 

 

Referências: 

Ampe B., Duchateau L., Speybroeck N., Berkvens D., Dupont A., Kerkhofs P., Thiry E., Dispas M., 2012.Assessment of the long-term effect of vaccination on transmission of infectious bovine rhinotracheitis virus in cattle herds hyperimmunized with glycoprotein E–deleted marker vaccine  American journal of veterinary research, 73(11), pp.1787-1793.

Brar, J.S., Johnson, D.W., Muscoplat, C.C., Shope Jr, R.E. and Meiske, J.C., 1978. Maternal immunity to infectious bovine rhinotracheitis and bovine viral diarrhea viruses: duration and effect on vaccination in young calves. American journal of veterinary research, 39(2), pp.241-244.

Bosch J.C., De Jong M.C.M., Franken P., Frankenas K., Hage J.J., Kaashoek M.J., Maris-Veldhuis M.A., Noordhuizen J.P.T.M., Van der PoeI W.H.M., Verhoeff J., Weerdmeester K., Zimmer G.M., Van Oirschot J.T., 1998 An inactivated gE negative marker vaccine and an experimental gD-subun:it vaccine reduce the incidence of bovine herpesvirus 1infections in the field. Vaccine, 16, pp.265-271.

Carter, J.J., Weinberg, A.D., Pollard, A., Reeves, R., Magnuson, J.A. and Magnuson, N.S., 1989. Inhibition of T-lymphocyte mitogenic responses and effects on cell functions by bovine herpesvirus 1. Journal of Virology, 63(4), pp.1525-1530.

D’arce, R.C.F., Almeida, R.S., Silva, T.C., Franco, A.C., Spilki, F., Roehe, P.M. and Arns, C.W., 2002. Restriction endonuclease and monoclonal antibody analysis of Brazilian isolates of bovine herpesviruses types 1 and 5. Veterinary microbiology, 88(4), pp.315-324.

Davies, D.H. and Carmichael, L.E., 1973. Role of cell-mediated immunity in the recovery of cattle from primary and recurrent infections with infectious bovine rhinotracheitis virus. Infection and Immunity, 8(4), pp.510-518.

Griebel, P.J., Ohmann, H.B., Lawman, M.J.P. and Babiuk, L.A., 1990. The interaction between bovine herpesvirus type 1 and activated bovine T lymphocytes. Journal of General Virology, 71(2), pp.369-377.

Griebel, P.J., Qualtiere, L., Davis, W.C., Lawman, M.J. and Babiul, L.A., 1987. Bovine peripheral blood leukocyte subpopulation dynamics following a primary bovine herpesvirus-1 infection. Viral immunology, 1(4), pp.267-286.

Jones, C., 2003. Herpes simplex virus type 1 and bovine herpesvirus 1 latency. Clinical microbiology reviews, 16(1), pp.79-95.

Mars M.H., de Jong M.C.M., Franken P., van Oirschot J.T., 2001.Efficacy of a live glycoprotein E-negative bovine herpesvirus 1 vaccine in cattle in the field. Vaccine, 19 (15-16), pp.1924-1930.

Muylkens, B., Thiry, J., Kirten, P., Schynts, F. and Thiry, E., 2007. Bovine herpesvirus 1 infection and infectious bovine rhinotracheitis. Veterinary research, 38(2), pp.181-209.

Pastoret, P.P., Aguilar-Setien, A., Burtonboy, G., Mager, J., Jetteur, P. and Schoenaers, F., 1979. The effect of repeated treatment with dexamethasone on the re-excretion pattern of infectious bovine rhinotracheitis virus and humoral immune response. Veterinary Microbiology, 4(2), pp.149-155.

Petrini S, Iscaro C, Righi C. Antibody Responses to Bovine Alphaherpesvirus 1 (BoHV-1) in Passively Immunized Calves., 2019. Viruses, 11(1) 23.

Spilki, F.R., Esteves, P.A., Lima, M.D., Franco, A.C., Chiminazzo, C., Flores, E.F., Weiblen, R., Driemeier, D. and Roehe, P.M., 2004. Comparative pathogenicity of bovine herpesvirus 1 (BHV-1) subtypes 1 (BHV-1.1) and 2a (BHV-1.2 a). Pesquisa Veterinária Brasileira, 24(1), pp.43-49.

Stabel, J.R., Spears, J.W. and Brown Jr, T.T., 1993. Effect of copper deficiency on tissue, blood characteristics, and immune function of calves challenged with infectious bovine rhinotracheitis virus and Pasteurella hemolytica. Journal of animal science, 71(5), pp.1247-1255.

Vannie, P., Capua, I., Le Potier, M. F., Mackay, D. K., Muylkens, B., Parida, S., Paton, D. J., & Thiry, E., 2007. Marker vaccines and the impact of their use on diagnosis and prophylactic measures. Revue scientifique et technique (International Office of Epizootics), 26(2), 351–372.

Wentink, G.H., Van Oirschot, J.T. and Verhoeff, J., 1993. Risk of infection with bovine herpes virus 1 (BHV1): a review. Veterinary Quarterly, 15(1), pp.30-33.

Winkler, M.T.C., Doster, A. and Jones, C., 1999. Bovine herpesvirus 1 can infect CD4+ T lymphocytes and induce programmed cell death during acute infection of cattle. Journal of virology, 73(10), pp.8657-8668.